Entre as mulheres que tiveram trabalho de parto, 31% das participantes portuguesas revelaram ter tido um parto vaginal instrumentado, no qual foram utilizados fórceps ou ventosas para facilitar a expulsão do feto.
A prevalência de parto instrumentado em Portugal é três vezes superior à média europeia e a mais de 60% das mulheres portuguesas não foi pedido “qualquer consentimento”, concluiu um estudo europeu que envolveu mais de 21 mil mulheres.
Em declarações à agência Lusa, Raquel Costa, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), revelou esta quinta-feira que o estudo, desenvolvido no âmbito do projeto IMAGINE EURO, visava avaliar os cuidados de saúde prestados às mulheres e recém-nascidos.
A investigação, que foi selecionada para a capa da edição de fevereiro da revista “The Lancet Regional Health — Europe”, teve por base um questionário, desenvolvido de acordo com os ‘standards’ definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que abrangeu quatro dimensões: prestação de cuidados, experiência dos cuidados, recursos humanos e estruturas, e as mudanças organizacionais relacionadas com a pandemia da covid-19.
Entre março de 2020 e março de 2021, responderam ao questionário 21.027 mulheres de 12 países europeus (Itália, Suécia, Noruega, Eslovénia, Portugal, Alemanha, Servia, Roménia, França, Croácia, Luxemburgo e Espanha), sendo que destas 1.685 eram portuguesas.
O questionário estava formatado tanto para mulheres que tiveram trabalho de parto (18.063) como as que não tiveram trabalho de parto (2.964).
Entre as mulheres que tiveram trabalho de parto, 31% das participantes portuguesas revelaram ter tido um parto vaginal instrumentado, no qual foram utilizados fórceps ou ventosas para facilitar a expulsão do feto.
“Temos uma prevalência de parto instrumentado que é três vezes superior do que é a média dos restantes países (11%)”, disse Raquel Costa, sublinhando que esta é uma prática sobre a qual a OMS não estabelece nenhum princípio de recomendação ou não recomendação.
A OMS estabelece, no entanto, como prática não recomendada a realização de episiotomias (incisões feitas no períneo para ampliar o canal de parto), cuja percentagem que em Portugal se fixou nos 41%, representando o dobro da média europeia (20%).
À semelhança da realização de episiotomias, a manobra de Kristeller, que consiste na utilização de pressão externa sobre o útero e que também não é recomendada pela OMS, foi realizada em 49% das mulheres portuguesas com partos vaginais instrumentados, valor superior à média europeia (41%).
“Temos uma utilização exacerbada destas práticas. Quando olhamos para a percentagem destas práticas, estamos ao nível dos países com a pior qualidade de cuidados”, afirmou a investigadora, salientando que o estudo não permite fazer uma correlação direta com a pandemia da covid-19, pois não existem dados anteriores a esse período.
A par destes dados, o estudo concluiu que a 63% das mulheres portuguesas não foi pedido “qualquer consentimento” para a realização do parto instrumentado, valor que contrasta com a média europeia (54%).
“Uma em cada cinco mulheres reportou que tem a perceção de que foi vítima de abusos físicos, emocionais ou verbais. Isto é um indicador que nos preocupa porque provavelmente são problemas de comunicação evitáveis, existem estratégias de comunicação que podem ajudar profissionais de saúde e as mães”, observou Raquel Costa.
Em Portugal, 28% das mulheres referiram ainda não existir uma comunicação eficaz por parte dos profissionais de saúde, 41% disseram não ter tido envolvimento nas escolhas durante o parto e 32% referiram não ter sido tratadas com dignidade.
O estudo centrou-se também no impacto da pandemia da covid-19 na prestação de cuidados, sendo que ao contrário dos outros indicadores, os números nacionais “não diferem dos outros países”.
A diminuição de consultas de rotina ao longo da gravidez e a escassez de cuidados materno-infantis durante o período pandémico foram os principais impactos sentidos.
Coordenado pelo Centro Colaborador da OMS para a Saúde Materno-Infantil de Trieste (Itália), além do ISPUP, o estudo tem como parceiros em Portugal a Administração Regional de Saúde do Algarve, a Universidade Europeia e a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto.
FONTE: Diário de Notícias