Cerca de um terço das mulheres tem incontinência urinária depois de dar à luz, mas o problema também não é raro durante a gravidez. Um urologista e uma fisioterapeuta especializada em reabilitação do pavimento pélvico explicam como se pode prevenir ou tratar a incontinência urinária durante a gravidez ou após os partos.
A incontinência urinária após um parto é mais comum do que, à partida, se pode pensar, sendo que cerca de um terço das mulheres passa por isso depois de dar à luz. Contudo, diz à VISÃO Ricardo Pereira e Silva, urologista no hospital de Santa Maria, em Lisboa, o problema pode surgir ou agravar também durante a gravidez. De acordo com o especialista, estas perdas de urina podem surgir devido ao “aumento de peso e a pressão que o útero grávido faz sobre a bexiga, que pode levar a uma diminuição da sua capacidade”.
Ao mesmo tempo, explica, alguns fatores hormonais podem contribuir para algum relaxamento muscular, o que torna a musculatura pélvica menos competente para conter a urina durante a gravidez, principalmente nas fases mais avançadas da gestação. “A gravidez é sempre um fator de risco para incontinência urinária no futuro, mesmo que seja cesariana), mas algumas mulheres poderão ter uma predisposição maior para que isso aconteça”, esclarece o especialista, acrescentando que gravidezes múltiplas, de gémeos, de fetos pesados, um trabalho de parto prolongado, partos instrumentados com fórceps ou ventosa ou lacerações do pavimento pélvico podem ser fatores de risco acrescido, assim como a obesidade e a obstipação.
Estas perdas podem acontecer depois de um esforço, como ter tosse, espirrar ou ao pegar em pesos – a situação mais comum – ou a partir de uma vontade súbita e inadiável de urinar, que provoca perda de urina. “A que acontece imediatamente após o parto tende a melhorar com o tempo, mas pode persistir em menor grau, afirma Pereira e Silva. Mas adverte: “Mesmo quando deixa totalmente de ocorrer, as mulheres com incontinência no pós parto têm sempre uma maior probabilidade de voltarem a ser incontinentes no futuro”.
As mulheres não se queixam sempre, mesmo quando a incontinência é abundante.
Apesar de ser um problema comum entre as mulheres grávidas ou que acabaram de dar à luz, o número de casos em Portugal é difícil de precisar, devido aos diferentes parâmetros utilizados nos estudos feitos sobre o tema. “Se considerarmos que perder uma gota de urina com a bexiga cheia nos primeiros dias após o parto é a nossa definição, então diria que a maior parte das mulheres tem incontinência pós-parto. A incontinência clinicamente significativa terá uma incidência mais baixa, mas as mulheres nem sempre se queixam, mesmo quando a incontinência é abundante”, refere o especialista.
Mas porque é que isto acontece? De acordo com o médico, após o parto a mulher perde também lóquios, secreções que se podem mantar até às 6 semanas após o parto, o que mascara as perdas de urina. Por outro lado, o foco das mulheres é, normalmente, os cuidados ao bebé e as perdas, mesmo que significativas, são muitas vezes ignoradas, pelo menos nas primeiras semanas.
“Estudos revelam que, por vezes, as mulheres com incontinência não procuram ajuda devido à normalização social das perdas após o parto. Mas se estas ocorrem por um período superior a 6 semanas, deve procurar-se a ajuda de um profissional de saúde especializado”, diz à VISÃO Soraia Coelho, fisioterapeutra especializada em reabilitação do pavimento pélvico.
As mulheres devem, apesar disso, tratar o problema se se tornar persistente, porque pode ter consequências emocionais graves nas suas vidas. “Se a incontinência não for bem gerida, a pessoa com incontinência pode ter sentimentos de rejeição, isolamento social, dependência, perda de controlo e também pode levar a que desenvolva problemas em relação à sua imagem corporal”, refere a fisioterapeuta.
Como prevenir e tratar este problema
Além de poder ser tratado, este problema deve, também, ser prevenido, afirmam os especialistas. De acordo com Ricardo Pereira e Silva, é importante manter um estilo de vida saudável antes, durante e depois da gravidez, “com atividade física, manutenção de um peso adequado, dieta equilibrada rica em fibras e ingestão de água em quantidade adequada”, o que pode ajudar a reduzir a probabilidade de ter incontinência urinária ou a diminuir as perdas.
Exercitar os músculos do pavimento pélvico pode também ajudar a prevenir o problema, ao auxiliar na retenção da urina na bexiga, refere, por seu lado, Soraia Coelho. Estes exercícios, conhecidos por exercícios de Kegel, ajudam no fortalecimento desses músculos e evitam a perda urina “quando ri, tosse, espirra ou levanta peso”, afirma a especialista. Mas antes de se avançar com os exercícios, a fisioterpeuta alerta para a importância de se fazer uma avaliação com um fisioterapeuta pélvico, que indique o tratamento mais adequado. “Por vezes, é necessário criar um plano de exercícios de função muscular em vez de um plano para fortalecer”, conclui.
Também para o tratamento da incontinência urinária a reabilitação do pavimento pélvico, fisioterapia dos músculos pélvicos, também é um passo muito importante e deve ser realizada por um fisioterapeuta especializado, afirma Pereira e Silva. “Tem ser adaptada a cada caso e pode ser feita quando ocorrem perdas na gravidez e obrigatoriamente quando existirem perdas após o parto”, defende o médico, acrescentando que “a fisioterapia pélvica deve idealmente ser realizada após cada parto, independentemente de ser vaginal ou não, como medida preventiva”.
Também existe medicação indicada para tratar o problema, caso se trate de uma bexiga hiperativa, e, nos casos mais graves, a mulher pode ser indicada para cirurgia no futuro e não no contexto pós-parto.
Soraia Coelho acrescenta que, “em muitos casos, é necessária uma combinação de mudanças comportamentais, medicamentos e intervenções para tratar a incontinência urinária”, deixando alguns conselhos de alterações no estilo de vida e possíveis tratamentos para quem tem sofre com este problema:
Mudanças nos hábitos alimentares
Uma forma de lidar com a incontinência é fazer mudanças na dieta. Prestar muita atenção à quantidade de líquidos que se bebe ao longo do dia, bem como ao tipo de bebida que se consome, pode ajudar a reduzir a incontinência urinária. Beber quantidades moderadas de líquidos ao longo do dia e limitar a quantidade de líquidos que são consumidos antes de ir dormir pode ajudar.
Certos tipos de alimentos e bebidas também podem irritar a bexiga, fazendo com que urine com mais frequência ou sinta uma vontade intensa de urinar. Álcool e bebidas cafeinadas, como café e chá, atuam como diuréticos e fazem com que o corpo produza mais urina. As bebidas que contêm cafeína também podem aumentar a probabilidade de ter espasmos na bexiga.
Os seguintes alimentos ou bebidas podem irritar a bexiga:
· Café
· Chá
· Frutas cítricas
· Tomates
· Alimentos picantes
· Bebidas gaseificadas
· Adoçantes artificiais
· Xarope de milho
· Açúcar
· Chocolate
Exercícios de Kegel e biofeedback
Exercícios conhecidos como Kegels podem ajudar a fortalecer os músculos do pavimento pélvico, que ajudam a controlar a micção. Para fazer os exercícios de Kegel, aperte os músculos que utilizaria para interromper o fluxo de urina.
No início, pode ser difícil saber se está a contrair os músculos corretos. Tente relaxar os grandes músculos do abdómen, as nádegas e as coxas e direcione os seus esforços para puxar os músculos do pavimento pélvico para cima e para dentro do corpo. Inicialmente, pode ser útil praticar os exercícios de Kegel deitada, mas com o tempo os Kegels podem ser feitos no carro, ao computador, na fila ou em inúmeras outras situações quotidianas.
Mas antes de iniciar qualquer plano para fortalecer os músculos pélvicos, deverá ser avaliada por um fisioterapeuta pélvico, de forma a que este lhe indique como é que os deve realizar e se serão a melhor linha de tratamento para si. Por vezes, será necessário criar um plano de exercícios de função muscular em vez de um plano para fortalecer.
Para algumas mulheres, pode ser benéfico que um fisioterapeuta use métodos de biofeedback que mostrem atividade na bexiga e nos músculos do pavimento pélvico. O biofeedback envolve a colocação de um sensor perto dos músculos do pavimento pélvico, que transmite a quantidade de força que está a exercer para um computador. O computador exibe os resultados num monitor para que possa ver imediatamente se está a usar os músculos corretos. Uma vez que tenha uma noção de como fazer os exercícios corretamente, pode continuar sem o biofeedback.
Treino da bexiga
O treino da bexiga envolve definir um horário para urinar e, em seguida, aumentar gradualmente a quantidade de tempo entre as idas. Pode ser útil começar a manter um diário da bexiga, que detalha o que bebeu, quando urinou, quaisquer perdas que ocorreram e a intensidade do desejo que pode ter sentido.
Usando as observações do diário, pode determinar quanto tempo geralmente passa entre as micções e, em seguida, definir um cronograma para estender esse tempo por mais 15 minutos. Com o relaxamento consciente, pode reduzir a sensação de urgência ao longo do tempo. Respirar profundamente e praticar os exercícios de Kegel podem ser úteis quando está a tentar prolongar o tempo antes de urinar.
Outros fatores de estilo de vida
Certos aspectos do seu estilo de vida podem afetar a incontinência urinária. Fumar pode levar à tosse crónica, que coloca stress adicional nos músculos do pavimento pélvico. O excesso de peso também pode pressionar a bexiga.
A obstipação pode causar esforço durante os movimentos intestinais, que podem danificar os músculos do pavimento pélvico. Manter uma dieta saudável com alimentos ricos em fibras, frutas e vegetais frescos pode ajudar a reduzir a obstipação.
Tratamentos cirúrgicos para incontinência urinária
Quando os outros tratamentos e mudanças no estilo de vida não são bem-sucedidos na melhoria da incontinência urinária, a cirurgia pode ser uma opção.
Podem ser realizados vários procedimentos para elevar a bexiga e/ou a uretra de volta ao lugar. Alguns tipos comuns de procedimentos cirúrgicos incluem procedimentos de sling (sem tensão, ajustável e convencional) e suspensão do colo da bexiga.
FONTE: Visão SAPO.PT