Segundo um estudo europeu, 31% das participantes portuguesas revelaram ter tido um parto vaginal instrumentado, com a utilização de fórceps ou ventosas. 63% admite não ter dado “qualquer consentimento”.
Um estudo europeu, realizado no âmbito do projeto IMAGINE EURO (Improving Maternal Newborn Care), concluiu que a prevalência de parto instrumentado em Portugal é três vezes superior à média de outros 11 países europeus em procedimentos considerados como violência obstétrica, como a manobra de Kristeller ou as episiotomias de rotina.
Em declarações à agência Lusa, Raquel Costa, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e coordenadora da equipa portuguesa responsável pela investigação, referiu esta quinta-feira (10) que o estudo, tinha como objetivo avaliar os cuidados de saúde prestados às mulheres e recém-nascidos durante o primeiro ano da pandemia.
A investigação, que foi publicada na revista “The Lancet Regional Health – Europe”, teve por base um inquérito online que abrangeu quatro áreas: prestação de cuidados; experiência dos cuidados; recursos humanos e estruturas; e as mudanças organizacionais relacionadas com a pandemia de Covid-19.
Este questionário foi desenvolvido de acordo com os padrões definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, entre 1 de março de 2020 e 15 de março de 2021, foi respondido por 21.027 mulheres de 12 países europeus – Itália, Suécia, Noruega, Eslovénia, Portugal, Alemanha, Servia, Roménia, França, Croácia, Luxemburgo e Espanha. Portugal foi o 4.º país com mais participantes, contando com 1.685 respostas.
“Temos uma prevalência de parto instrumentado que é três vezes superior do que é a média dos restantes países”
Entre as mulheres que tiveram trabalho de parto, 31% das participantes portuguesas admitiram ter tido um parto vaginal instrumentado, com utilização de fórceps ou ventosas para auxiliar a expulsão do feto. Já as respostas das mães ao inquérito, a nível global dos países analisados, indicam que foram instrumentados 10,7% dos partos vaginais.
A investigação concluiu que a 63% das mulheres portuguesas não foi pedido “qualquer consentimento” para a realização do parto instrumentado, valor superior ao da média europeia (54%).
“Temos uma prevalência de parto instrumentado que é três vezes superior do que é a média dos restantes países (11%)”, referiu Raquel Costa, sublinhando que esta é uma prática que a OMS não estabelece nenhum princípio de recomendação ou não recomendação.
Práticas não recomendadas atingem valores superiores à média europeia
De acordo com o estudo, as mulheres portuguesas que foram mães durante o primeiro ano da pandemia foram mais sujeitas a práticas hospitalares não recomendadas pela OMS do que a média europeia.
Em causa estão a episiotomia (corte dos tecidos vaginais) e a pressão externa aplicada no momento do parto, a chamada “manobra de Kristeller”. Ambas as práticas atingem percentagens mais elevadas em Portugal do que a média dos países analisados no estudo.
Na média global, 20,1% das mulheres afirmaram ter sido sujeitas a episiotomia durante o parto vaginal espontâneo; já em Portugal, esse valor chega aos 40,7%.
Kristeller, a manobra não recomendada pela OMS
A OMS não aconselha a manobra de Kristeller, que consiste na aplicação de pressão externa sobre o útero. Segundo o estudo, esta prática foi realizada em 49% das mulheres portuguesas com partos vaginais instrumentados, valor superior à média europeia (41%).
“Temos uma utilização exacerbada destas práticas. Quando olhamos para a percentagem destas práticas, estamos ao nível dos países com a pior qualidade de cuidados”, revelou a investigadora à Lusa, acrescentando, ainda, que o estudo não permite fazer uma correlação direta com a pandemia da Covid-19, por falta de dados anteriores a esse período.
“Uma em cada cinco mulheres reportou que tem a perceção de que foi vítima de abusos físicos, emocionais ou verbais. Isto é um indicador que nos preocupa, porque provavelmente são problemas de comunicação evitáveis, existem estratégias de comunicação que podem ajudar profissionais de saúde e as mães”, afirmou Raquel Costa.
Falta de envolvimento e comunicação entre mães e profissionais de saúde
Em Portugal, 28% das mulheres portuguesas referiram ainda não existir uma comunicação eficaz por parte dos profissionais de saúde. 41,6% disseram não ter tido envolvimento nas escolhas durante o parto (a média global foi de 34,7%) e 22,7% disseram ter sentido algum tipo de abuso verbal, físico ou emocional durante o parto (a média global foi de 12,5%).
Já quando questionadas sobre se foram tratadas com dignidade, 32% das mães portuguesas com parto vaginal referiram que não, contrastando com a média europeia de 23,9%.
Relativamente às respostas das mães sujeitas a cesariana, 26,4% das portuguesas disseram não ter sido tratadas com dignidade (abaixo da média global de 30,5%), enquanto apenas 16,8% reportaram algum tipo de abuso (a média global foi de 14,1%).
O impacto da pandemia nos cuidados materno-infantis
O estudo centrou-se também no impacto da pandemia de Covid-19 na prestação de cuidados, sendo que, ao contrário dos outros indicadores, os números nacionais “não diferem dos outros países”.
A diminuição de consultas de rotina ao longo da gravidez e a escassez de cuidados materno-infantis durante o período pandémico foram os principais impactos sentidos.
Relativamente a este campo, 47,3% das mães portuguesas por parto vaginal e 45,5% das que tiveram uma cesariana consideraram que os cuidados materno-infantis foram reduzidos por causa da pandemia. Estes valores contrastam com as respetivas médias europeias de 49,9% e 50,2%.
Coordenado pelo Centro Colaborador da OMS para a Saúde Materno-Infantil de Trieste (Itália), além do ISPUP, o estudo europeu conta com parceiros em Portugal como a Administração Regional de Saúde do Algarve, a Universidade Europeia e a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto.
Fonte: JPN-JornalismoPortoNet